André
Carneiro teve uma carreira artística e literária eclética. Considerado
um dos mais importantes escritores brasileiros de ficção científica de
todos os tempos, também foi poeta, fotógrafo, cineasta, artista
plástico, publicitário, crítico, hipnotizador clínico, entre outras
atividades.
Inserido
como um dos poetas mais respeitados da chamada Geração de 45 e um dos
primeiros fotógrafos artísticos do Modernismo brasileiro, também foi um
dos destaques da chamada Geração GRD da ficção científica brasileira
durante a década de 1960, ao lado de Rubens Teixeira Scavone, Fausto
Cunha, Jeronymo Monteiro e Dinah Silveira de Queiroz. É o autor do
gênero com maior destaque internacional, com seus contos e romances
publicados em 16 países.
Natural
de Atibaia, cidade do interior paulista, André Granja Carneiro nasceu
em 09 de maio de 1922. Filho de Recaredo Granja Carneiro, provedor da
Santa Casa de Atibaia e vereador na cidade durante muitos anos, e de
Engracia de Almeida Carneiro, a primeira funcionária pública do sexo
feminino no estado de Goiás, descendente do bandeirante Bartolomeu
Bueno.
Foi
diretor de Cultura e Turismo da Prefeitura de Atibaia e secretário da
Sociedade Amigos de Atibaia, quando conseguiu para a cidade o título de
Estância Hidromineral e Turística. Antes, em 1946, já havia criado a
primeira biblioteca pública da cidade, que originou a Biblioteca
Municipal atual. E também fundou o Clube de Cinema, com César Mêmolo
Jr., que promovia debates após as sessões semanais. Além disso, como
membro do Conselho de Turismo de Atibaia, criou os primeiros guias e
cartazes ilustrados com fotos para a divulgação da cidade.
No
Brasil é mais reconhecido como poeta. Em 1947, com outros escritores e
poetas jovens, funda a Revista Brasileira de Poesia, divulgadora dos
preceitos estéticos do que foi conhecida a chamada Geração de 45: a
revalorização da palavra; a criação de novas imagens; a revisão dos
ritmos e a busca de novas soluções formais. O poeta vê na poesia, mais
do que produto intuitivo, o resultado da experiência da linguagem e da
existência humana.
Junto
com Péricles Eugênio da Silva Ramos, e outros organiza o 1º Congresso
Paulista de Poesia (que oficializou a Geração de 45), realizado na
Biblioteca Municipal de São Paulo, em abril de 1948. Tendo sido eleito
secretário e com forte participação nos debates, Carneiro ganhou
destaque e chamou a atenção de Oswald de Andrade, presente no evento
junto com outros grandes escritores da época e que se tornou seu amigo,
passando a visitá-lo com frequência em Atibaia. De acordo com o crítico
Antônio Cândido (o convidado para fazer o discurso de abertura), após o
Congresso Paulista, ocorreu um aumento expressivo de estreias em livros
dos novos autores.
Assim,
André Carneiro teve o seu primeiro livro de poesia, Ângulo e Face,
publicado em 1949, pelo poeta Cassiano Ricardo, através do Clube de
Poesia de São Paulo, do qual era presidente, ganhando prêmios e
homenagens com sucesso nacional.
O
poeta e crítico Ferreira Gullar lamenta que “a poesia sóbria e humana
de um poeta como André Carneiro passe despercebida do grande publico.
Ângulo e Face encerra em suas poucas páginas uma deliciosa e purificada
mensagem lírica, feita de angústia e melancolia. Poemas construídos
arquiteturalmente, num equilíbrio de verbalismo e emoção”. Para Oswald
de Andrade, a poesia de André Carneiro neste livro “é uma continuidade
modelar do Modernismo numa renovada e luminosa expressão”.
Em
abril de 1949, criou o jornal literário Tentativa, junto com Cesar
Mêmolo Jr. e sua irmã Dulce Carneiro (também poetisa), que alcançou
grande repercussão nacional e internacional, sendo considerado, na
época, o melhor jornal literário do Brasil. Uma das razões do seu
sucesso foi sua isenção das polêmicas modernistas e por abrir espaço a
várias tendências dos escritores das gerações 20, 30 e 45 e poetas em
fase de ascensão. Além disso, sua distribuição era feita diretamente
para os intelectuais e livrarias das grandes cidades e de outros países.
Em
seu primeiro número, Tentativa teve a apresentação de Oswald de Andrade
e o logotipo desenhado pelo pintor Aldemir Martins. Uma das grandes
repercussões do jornal foi a publicação na edição nº 4, em outubro de
1949, de uma entrevista com o escritor Graciliano Ramos, falando sobre
os textos e poetas da época. Vale ressaltar que Graciliano nunca havia
dado nenhuma declaração à imprensa até então.
O
jornal tinha entre seus colaboradores os maiores nomes da literatura
nacional, seja da nova geração, como Domingos Carvalho da Silva, Lorival
Gomes Machado e Cassiano Nunes, seja das gerações mais antigas, com
seus autores já consagrados como Sérgio Millet e Oswald de Andrade; ou
em processo de consagração, como Murilo Mendes e Otto Maria Carpeaux.
Aparecem ainda, compondo a extensa lista de colaboradores, nomes como
Guilherme de Almeida, José Lins do Rêgo, Murilo Mendes, Vinícius de
Moraes, Henriqueta Lisboa, Graciliano Ramos, Lêdo Ivo, Emílio Moura,
Lygia Fagundes Teles, Autran Dourado, José Paulo Paes, Décio Pignatari e
muitos outros, com participações especiais ou inéditas como Hilda
Hilst, publicada ali pela primeira vez. E ainda contava com
correspondentes estrangeiros em Paris, Buenos Aires, Lisboa e nas
principais capitais brasileiras. Foi publicado até maio de 1951, em
treze edições bimestrais.
Numa
ação conjunta da prefeitura de Atibaia e do Arquivo Público do Estado
de São Paulo o jornal foi reeditado em fac-símile, no livro A Geração 45
através do jornal Tentativa (Arquivo do Estado, 2006), com as
principais edições impressas na época. A edição conta com artigos
introdutórios do próprio André, do professor Osvaldo Duarte, da
Universidade Federal de Rondônia, do jornalista Alberto Dines, entre
outros.
A
publicação seguinte de André Carneiro, Espaçopleno (Clube de Poesia,
1963), ganhou o prêmio Pen Clube de São Paulo. Era uma caixa de papelão
no formato de 15,5×23 cm, que acondicionava 27 fólios soltos com 27
poemas ilustrados com xilogravuras. O prefácio foi de Domingos Carvalho
da Silva e o planejamento gráfico e xilogravuras de Luis Dias. O crítico
Wilson Martins ressaltou que “é uma obra de arte em si mesmo. Qualquer
coisa como uma tradução tipográfica da poesia e nos remete ao clima
intelectual de que os poemas de Mário Quintana são uma das expressões.
Um dos melhores livros ultimamente publicados”.
Espaçopleno
também recebeu, em 1966, o Prêmio “Alphonsus de Guimaraens”, da
Academia Mineira de Letras. No prefácio, o escritor Domingos Carvalho da
Silva escreveu: “O que distingue André Carneiro como poeta é
principalmente a sua oposição a qualquer solução retórica. A emoção
estética que ele busca é essencialmente a da revelação da beleza e do
mistério das coisas. Sua poesia – que é de recusa total aos mitos
clássicos, às confidências pessoais e a qualquer forma de misticismo -
começa, sob o aspecto da temática e do léxico, nos dias atuais, e a
celebração do submarino, da nave espacial, do engenho atômico, da
radiologia, do robô, da cerâmica esmaltada, do polietileno, da
publicidade subliminar e do amor também, mas um amor doméstico e
quotidiano com considerações práticas”.
Mais
outro livro de poesias premiado, desta vez o Prêmio Nacional Nestlé,
foi Pássaros Florescem (Scipione, 1988), traduzido em inglês por Leo L.
Barrow, da Universidade do Arizona, dez anos depois, com o título de
Birds Flower (Las Arenas Press, Tucson, 1998), em edição bilíngue. O
editor-chefe de O Estado de São Paulo e membro da Academia Paulista de
Letras, Nilo Sclazo, assinala que “os poemas reunidos neste livro
suscitam no leitor aquela sensação de estranheza que, segundo os
estudiosos de teoria literária, constitui traço fundamental da criação
original”.
O
tradutor Leo Barrow já havia publicado a poesia de André Carneiro na
primeira antologia do Modernismo brasileiro em língua inglesa em An
Introduction to Modern Brazilian Poetry: Verse Translations (Poetry Club
of Brazil, 1954), com retratos e ilustrações apresentando os poetas
resenhados com desenho de Darcy Penteado, em bico de pena.
Nos
anos 1960 e 1970, foi colaborador do prestigioso Suplemento Literário,
caderno semanal do jornal O Estado de São Paulo, com seus contos,
poesias, críticas e fotografias. Dirigido por Antônio Cândido e Décio de
Almeida Prado, o Suplemento tinha como preocupação a ideia de garantir
na imprensa um espaço regular para o debate de ideias e a divulgação de
autores novos e consagrados, especialmente os escritores brasileiros.
O
último livro de poesia de André Carneiro, a antologia Quânticos da
Incerteza (Redijo, 2007), com organização de Osvaldo Duarte, numa
realização da prefeitura da Estância de Atibaia, apresenta suas poesias
mais maduras. Para o artista plástico, poeta e arte-educador Nestor
Isejima Lampros, Quântico da Incerteza, decorre da “interposição do
poeta frente à era das máquinas, da era espacial, com lirismo e às vezes
com um humor que acontece quando reconhece que o mundo não pode ficar
alheio à fissão atômica, mesmo às inclusões de naves espaciais, que
podem infestar o meio universal, e que por sermos desacreditados, somos
forçados a repudiar como conversa de carochinha. Ele transpõem a vida na
cidade terrena, para a vida intergaláctica”.
No
exterior, apesar de ter sido publicado na França, na primeira antologia
dos melhores poetas brasileiros, Poémes du Brésil (Dessein et Tolra,
Paris, 1985), a atividade mais conhecida de André Carneiro foi a de
escritor de ficção cientifica, sendo o primeiro membro da América do Sul
a integrar a ambicionada Science Fiction and Fantasy Writers of
America, entidade profissional de escritores americanos.
Foi
o único autor brasileiro na antologia The Definitive Year’s Best
Selection, publicado pela editora norte-americana Putnam, em 1973, com
citação do seu nome na capa como “Internacional Master”. E, também, da
edição inglesa The Penguin World Omnibus of Science Fiction (Penguin
Books, 1986), editada por Brian Aldiss e Sam J. Lundwall, que reuniu
histórias dos quatro cantos do mundo.
Representou
o Brasil no romance colaborativo de ficção científica internacional
Tales from the Planet Earth (St. Martins, 1986), organizada por Frederik
Pohl e Elizabeth Anne Hull, que reuniu 19 autores de países diferentes.
O tema unificador era a posse alienígena de um corpo humano (com ou sem
permissão de seu proprietário natural) por uma inteligência de uma
estrela distante.
Em
1977, com o objetivo de divulgar a ficção científica latino-americana
no mercado editorial francês, o tradutor belga Bernard Goorden
selecionou alguns contos que havia traduzido, entre eles Zinga, o Robot e
A Escuridão, de André Carneiro, e os publicou na coleção Ides… et
Autres, da editora Recto-Verso, da Bélgica.
Como
não conseguiu publicar na França, Goorden tentou na Suécia e obteve
êxito, publicando o volume Det Nödvändigaste (Delta Förlag, 1978) em uma
tiragem de 2.000 exemplares. E, mais tarde, conseguiu que o escritor A.
E. Van Vogt, um dos mais influentes autores de ficção científica,
escrevesse uma introdução, além de autorizar o uso do nome na capa, ao
lado do seu. Graças a esta estratégia de marketing, a antologia foi
publicada simultaneamente em alemão, com uma tiragem de 20 mil
exemplares; e na Espanha Lo Mejor de la Ciencia Ficción Latinoamericana
(Martínez Roc, 1982), com uma tiragem de oito mil exemplares.
A.
E. Van Vogt escreveu que o conto Escuridão (“Darkness”, em inglês) não
só “é um dos maiores trabalhos escritos na ficção científica, mas também
da literatura mundial. Não é apenas ficção científica de ação
superficial, mas literatura no seu melhor sentido. André Carneiro merece
a mesma audiência de um Kafka ou Albert Camus”.
Na
Suécia, seus contos foram publicados no final dos anos 1970 pela
revista Jules Verne Magasinet, criada em 1940 – a única revista do mundo
de ficção científica durante uma época. A partir de 1972, ela passou a
ser dirigida por Sam J. Lundwall, o mais influente e importante editor
de ficção científica na história da publicação sueca. Proprietário da
editora Delta Förlags, Lundwall publicou uma extensa lista de livros do
gênero na coleção Delta Science Fiction. Entre eles, a versão sueca do
primeiro romance de André Carneiro, Piscina Livre (Moderna, 1980), que
foi publicado simultaneamente no Brasil. Carlos Drummond de Andrade
afirmou que “em Piscina Livre, André exercita de maneira brilhante a
originalidade de ficcionista”.
Piscina
Livre desenvolve uma temática onde uma nova ordem, envolvendo a
sexualidade e o amor, se apresenta como pano de fundo para uma
devastadora crítica à moral e aos costumes de hoje. Essa assinatura
estilística da ficção de André Carneiro teve início no conto que dá nome
ao seu primeiro livro em prosa, Diário da Nave Perdida (Edart, 1963),
que recebeu o prêmio de Melhor Livro do Ano, do Departamento Cultural da
Prefeitura de São Paulo, em 1967. Para o crítico Clóvis Garcia, essa
antologia “mostra a que nível de qualidade artística pode chegar a
ficção científica quando tratada por um verdadeiro autor, seriamente
preocupado com as reações humanas e as qualidades literárias de suas
histórias”.
André
Carneiro organizou a antologia de contos de ficção científica É
Proibido Ler de Gravata (Multifoco, 2010), com os participantes da
Confraria de Escritores, a partir da Oficina de Literatura e Poesia, em
Curitiba, orientada por ele.
Seu
ensaio Introdução ao Estudo da Science Fiction (Conselho Estadual de
Cultura, 1967) foi o primeiro estudo em português apresentando e
discutindo em seu texto alguns dos principais temas relacionados à
ficção científica e recebeu o Prêmio Literário Câmara Municipal de São
Paulo. A escritora Dinah Silveira de Queiroz, da Academia Brasileira de
Letras, o trata por “nosso mestre da ficção científica”.
Entre
junho de 1962 e novembro de 1981, a Embaixada do Brasil em Madri
publicou 52 números da Revista de Cultura Brasileña, cujo promotor foi
João Cabral de Melo Neto, e que teve como primeiro diretor o também
poeta Ángel Crespo. Na edição 28 tivemos um texto de André Carneiro:
“Introducción al Estudio de la Ficción Cientifica”; na verdade, a
reprodução dos capítulos 1º e 2º, além de uma parte do 5º, do livro
“Introdução ao Estudo da Science Fiction”. Neste mesmo número também
foram publicados cinco contos brasileiros de ficção científica dos
autores Antônio Olinto, Clóvis Garcia, Leon Eliachar, Rachel de Queiroz e
Zora Seljan, tirados do livro Histórias do Acontecerá (Edições GRD,
1961).
A
Revista de Cultura Brasileña foi um espelho da produção cultural do
Brasil da época. Mais que um boletim de informações ou notícias, a
revista foi uma espécie de compêndio da cultura brasileira, em que se
encontravam trabalhos assinados por, entre outros nomes de prestígio,
Gilberto Freyre, João Cabral de Melo Neto, José Guilherme Merquior, Otto
Lara Resende, e traduções de seu diretor Angel Crespo e de Damaso
Alonso.
A
Universidade Federal de Pernambuco promoveu, em 2009, o seminário
“Intersecções: Ciência e Tecnologia, Literatura e Arte”, com o
lançamento da coletânea de ensaios de mesmo nome, organizada pela profª
Ermelinda Ferreira da UFPE, que debateu, entre outras, as obras de André
Carneiro. Foi publicado, também, seu conto Noite de Amor na Galáxia.
Essa coletânea reuniu ensaios advindos de duas disciplinas do mestrado
em Teoria da Literatura da UFPE, onde se estabelece um intercâmbio entre
a literatura, as artes plásticas, o cinema e a música.
André
Carneiro foi diretor de edições da Editora Edart e do Clube de Poesia
de São Paulo, do qual também foi presidente, assim como foi eleito para
diversos cargos na União Brasileira de Escritores. E por muitos anos foi
membro do Conselho Estadual de Cultura de São Paulo. Como diretor de
propaganda da Companhia Cacique de Café Solúvel, dirigiu o lançamento do
Café Pelé, onde fez inúmeros comerciais para a televisão e curtas
metragens, dirigindo, nas décadas de 1970 e 1980, celebridades como Pelé
e o piloto Émerson Fittipaldi.
Sua
atuação no cinema nacional começou com filmes artísticos de pesquisa.
Ganhou vários prêmios e um dos filmes, Solidão (1951), representou o
Brasil no 13º Concurso Internacional de Cinema Amador, realizado em
agosto de 1951, em Glasgow, Escócia, sendo depois exibido na França e
Itália.
Além
de Solidão, outros de seus curtas-metragens foram recuperados pela
Fernandes & Mendonça – Som e Imagem, uma produtora de Curitiba que
digitalizou alguns filmes, com telecinagem feita por Mario Mendonça e
Megg Fernandes, a partir dos originais em formato 8mm. Também está
disponível na internet Estudo de Continuidade e Movimento (1950),
premiado em 1951 no 3º Concurso Cinematográfico Nacional para Amadores,
patrocinado pelo Foto-Cine Clube Bandeirantes e realizado no Museu de
Arte de São Paulo. Este curta recebeu em 1952 o prêmio “Estímulo” de
melhor filme gênero experimental e representou o Brasil, junto com
Último Encontro (1951), em mostras de cinema no Reino Unido, Itália,
França e Holanda.
No
cinema profissional, André Carneiro se destacou principalmente como
roteirista, trabalhando com grandes nomes do cinema nacional como
Roberto Santos, Abílio Pereira de Almeida e Walter Hugo Cury. Seu
roteiro Os Pereyras (1954), ganhou o Concurso Nacional de Cinema do
Quarto Centenário de São Paulo. Seu roteiro mais importante, A Vida de
Meneghetti, foi vendido para o produtor italiano Carlo Ponti que,
infelizmente, não realizou o filme por ter tido um grande prejuízo no
Brasil.
Seu
conto O Mudo foi transformado em roteiro no sofisticado filme de
longa-metragem, pela Embrafilme, Alguém (1970), dirigido por Júlio
Xavier Silveira, com Nuno Leal Maia, Myriam Rios e Ewerton de Castro no
elenco. Já o conto O Homem que Hipnotizava interessou ao cineasta
Roberto Santos, que assinou um contrato com André com a intenção de
fazer um filme (em plena ditadura) de um homem que se auto-hipnotizava e
transformava a própria realidade. Era o brasileiro iludido pelo
governo, um símbolo do Brasil, cegado pela censura, acreditando nas
mentiras do “milagre econômico” e do célebre bolo que seria repartido
quando crescesse. Infelizmente, Roberto Santos morreu sem realizá-lo.
Mas, o diretor e dramaturgo Ziembinsky comprou o conto para o programa
Caso Especial, da Rede Globo, que foi produzido e anunciado como
Mergulho no Espelho, com Marcelo Picchi, mas não foi ao ar por proibição
da censura do governo militar.
Escuridão,
sua história mais famosa, foi adquirida por um produtor espanhol a fim
de ser transformado em filme. Publicado em 1963, Escuridão antecedeu em
mais de três décadas o romance Ensaio sobre Cegueira, do escritor
português José Saramago, publicado em 1995, que retrata um mundo onde as
pessoas ficam repentinamente cegas. É inquietante a semelhança com a
obra de Saramago ao notarmos cenas marcantes e temas comuns. Para o
escritor e compositor Bráulio Tavares, a noveleta Escuridão “emprega um
estilo propositalmente distanciado, em que nomes, datas, tempos e
espaços parecem diluir-se na escuridão geral, deixando somente o fluir
vagaroso e angustiante de uma situação impossível à qual o personagem
central procura acostumar-se, com a obstinação de um bicho cuja primeira
certeza, acima de todas as outras, é a de que é preciso continuar
vivendo, e tentando”.
Mas,
ao contrário do que se passa no livro de Saramago, lembra o jornalista e
escritor Antônio Luiz M. C. Costa, nesta noveleta de André Carneiro “se
enfatiza os atos de solidariedade mais que os de egoísmo. Os cegos se
mostram benevolentes e dão uma ajuda desinteressada a pelo menos alguns
dos desesperados, dentro dos modestos recursos de que dispõem. Apesar da
situação absurda, a narrativa é muito convincente e consegue fazer do
infantil medo do escuro algo mais aterrorizante que qualquer monstro,
vampiro ou psicopata de filmes de terror. A sensação de desamparo e
impotência que nos invade a cada vez que somos surpreendidos por um
apagão noturno de poucas horas é aprofundada até ao limite”.
André
Carneiro foi professor de roteiros no Senac de São Paulo, onde dirigiu o
roteiro piloto do programa sobre profissões “Deu Trampo”, em setembro
de 1997, para os canais a cabo da TV Senac. A partir de uma profissão,
eram apresentados depoimentos sérios, mas bem-humorados, além de
esquetes que satirizavam algum estereótipo da atividade. Misturava a
linguagem dos programas Armação Ilimitada e TV Pirata, da Rede Globo,
com ritmo jovem, mas nem tão alucinante, dos programas da MTV.
Para
ele, o cinema e a fotografia estão misturados, assim todas as suas
atividades têm um inegável parentesco intrínseco entre elas. Como
fotógrafo, foi um dos primeiros fotógrafos artísticos do Modernismo
brasileiro. Sua fotografia Trilhos (1951), em que observa do alto, uma
sequência vazia de linhas de bondes curvas e brilhantes, ornada por
alguns poucos pedestres, é considerada um dos marcos do Modernismo
fotográfico no Brasil. Está exposta no Tate Gallery, em Londres, em
exibição permanente.
Em
2007, ele foi incluído com destaque na exposição coletiva Fragmentos –
Modernismo na Fotografia Brasileira, da Galeria Bergamin, em São Paulo,
sob curadoria de Iatã Canabrava. Foi realizada entre 21 de Abril a 26 de
Maio, com a participação de 24 fotógrafos pertencentes às vertentes do
fotoclubismo brasileiro, que determinaram a produção das décadas de 1940
e 1950. Esse movimento começou em São Paulo no Foto Cine Clube
Bandeirante e se estendeu a outros estados. A Exposição percorreu, além
de São Paulo, as cidades do Rio de Janeiro e Belém do Pará.
A
mostra da Galeria Bergamin foi precursora – e em certa medida se
desdobrou – da exposição Moderna Para Sempre – Fotografia Modernista
Brasileira na Coleção Itaú (2013/2014), promovida pelo Itaú Cultural
para celebrar o aniversário de São Paulo, lançando ao público o olhar de
artistas modernos que registraram o crescimento, a urbanização e a
transformação da metrópole.
Como
artista plástico, André Carneiro foi o criador da pintura dinâmica,
técnica que usa líquidos químicos que tomam formas em compartimentos
transparentes justapostos. Perito em cortar vidros usando diamante,
graças ao trabalho que realizava na loja de materiais de construção que
herdou do pai, criava quadros com diversos compartimentos de vidros com
líquidos de cores variadas, além de mercúrio e outros materiais.
Manuseado pelo espectador, formavam milhares de combinações plásticas.
Também
realizou exposições de “Poesia Colagem”, técnica com a qual criou
várias capas de livros de autores brasileiros e ilustrou diversos de
seus próprios poemas.
Nos
anos de 1960, ganhou destaque por seus estudos e pesquisas na
parapsicologia e hipnose, realizando pesquisas no Instituto Quevedo,
entre outros. Sobre o tema, publicou O Mundo Misterioso do Hipnotismo,
em 1963; e Manual de Hipnose, em 1978. Tornou-se um dos poucos membros
brasileiros do Parapsychological Association, a mais respeitada
instituição internacional de Parapsicologia, com sede nos Estados
Unidos.
Em
1969, dirigiu os trabalhos no histórico “Simpósio de FC”, um evento
integrante do 2º Festival Internacional do Filme, organizado por José
Sanz, que aconteceu no Rio de Janeiro, em promoção do Instituto Nacional
do Cinema, do Ministério da Educação e Cultura e da Secretaria de
Turismo do então Estado da Guanabara. As palestras e exibições de filmes
do Simpósio aconteceram no Teatro Maison de France. Carneiro contava
com orgulho ter assistido ao filme Metrópolis ao lado de Fritz Lang,
assim como 2001 – Uma Odisseia no Espaço ao lado de Arthur C. Clarke,
convidados do Festival, entre outros grandes nomes da literatura mundial
de ficção cientifica, como A.E. Van Vogt, Frederick Pohl, Brian Aldiss,
Poul Anderson, Robert A. Heinlein, e outros.
Foi
condecorado pelo governo francês com a Medalha de Prata da Cidade de
Paris, da Societe D’Education et Encouragement, em 1950, por suas
atividades de intercâmbio cultural e cooperação artística entre Brasil e
França. Em 1951, é feito “Membre D’honneur” da Academie Ansaldi, de
Paris. Em 1999, recebeu o prêmio Laurel Solidário Casa do Escritor,
caracterizado por uma placa de prata gravada para celebração das datas
mais expressivas na vida pessoal e artística do escritor. Em 2007, foi
escolhido “Personalidade do Ano” pelos editores do Anuário Brasileiro de
Literatura Fantástica.
Em
2009, foi diplomado pela Academia de Letras do Brasil, onde também
recebeu o título de Doutor Honoris Causa, pelo presidente seccional do
Paraná, o escritor, poeta e gestor cultural José Feldman, com quem
manteve amizade por longos anos, desde quando ministrara cursos de
ficção científica na literatura e no cinema, na Oficina da Palavra (Casa
Mário de Andrade), no início dos anos 90. Segundo Feldman, graças a ele
deixou de ser leitor e enveredou pela literatura. “Desde as oficinas na
Oficina da Palavra, que foram três que participei, nas quais André
ministrava criamos um vínculo pela nossa paixão pela ficção científica e
a música. Conheci minha única esposa, Alba Krishna, poetisa e
romancista, com quem estou até hoje, no curso dele. André frequentava a
minha casa, no Bom Retiro, em reuniões que eu realizava com literatos e
músicos nas famosas Noites de Vinho, Blues e queijos. Também frequentava
a casa dele, lembro vagamente era nos lados da Lapa, em São Paulo, o
que me encantava era o conteúdo dentro dela, era realmente como viajar
numa nave espacial por outras dimensões. A quantidade de livros,
esculturas, discos, coleções, pinturas, decorações era uma coisa
bárbara, tanta coisa num apartamento tão pequeno. A gente se reunia na
cozinha, o lugar mais espaçoso, para bater papo. André contava a vida
dele de tal modo, alegre, cativante, que ao nos despedirmos sempre já
ansiava para novo encontro para saber mais dele. Nossos encontros
acabaram quando fui para Curitiba, mas quando me mudei para o interior
do estado (Ubiratã e Maringá), André já com problemas na visão foi morar
com o filho em Curitiba, contudo mantivemos ainda contato por emails e
por telefone. André sempre me incentivou quando abracei os contos e
principalmente a gestão cultural. Sempre me escrevia elogiando o meu
trabalho, meu blog e os ebooks que eu produzia. Guardo com muito carinho
todos os seus livros, antigos e todos que ele lançava e carinhosamente
me enviava com dedicatória sempre me elogiando e incentivando.”
Em
setembro de 2012, foi homenageado com a leitura de seus poemas de
ficção científica, em comemoração aos seus 90 anos, durante o VI
Fantasticon – Simpósio de Literatura Fantástica, organizado pelo editor
Silvio Alexandre, com realização da Biblioteca Pública Viriato Corrêa e
da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo,
Em
julho de 2014, recebeu o Troféu MegaCon Brasil pelo conjunto de sua
obra e sua valiosa contribuição para a literatura nacional, durante o
evento MegaCon 2014, um encontro das comunidades nerds, geeks, otakus,
de ficção científica entre outros, no campus da Universidade Tecnológica
Federal do Paraná, em Curitiba.
A
Prefeitura de Atibaia (SP) promoveu a 1ª Semana André Carneiro, de 24 a
30 de marco de 2014, para homenageá-lo. A Semana contou com uma
exposição dos livros de André Carneiro (que passaram a fazer parte do
acervo permanente da Biblioteca Central de Atibaia), um Museu de Rua com
ampliação de fotos e reproduções de fotos e de obras de artes
plásticas, além da exibição do longa-metragem “Alguém”, dirigido por
Júlio Xavier Silveira, baseado no seu conto O Mudo. Esse evento cultural
ofereceu diversas atrações à população, como o 7º Curta Atibaia e o 8º
Festival de Atibaia Internacional do Audiovisual (FAIA), mostras
competitivas, exibições, debates, palestras, além de atividades nas
áreas de cinema, fotografia, artes plásticas e literatura.
Para
o escritor Roberto Causo, Carneiro “trouxe para a ficção científica
brasileira não apenas textos de qualidade, mas questões importantes e de
peso junto ao mainstream literário, como a denuncia do conservadorismo
social, a referência à cultura das drogas, a impermanência do real e as
dificuldades de comunicação na modernidade, rendendo-lhe comparações com
Franz Kafka e os mágico-realistas latino-americanos”.
A
obra literária de André Carneiro se caracteriza quase que
sistematicamente por um enfoque psicossocial, onde a crítica à estrutura
vigente sempre se mostra aguda e sutil. A técnica do contraponto
narrativo, na qual conta a história sob diferentes perspectivas,
presente em algumas de suas criações, faz lembrar Aldous Huxley, de cuja
literatura Carneiro era um admirador confesso. Essa estrutura
narrativa, aliada aos temas sociológicos e psicológicos abordados
principalmente nas suas ultimas criações, mostra uma ficção científica
mais preocupada com o humano do que com o tecnológico.
Faleceu
no dia 4 de novembro de 2014, aos 92 anos de idade, em razão de
complicações cardiorrespiratórias, em Curitiba (PR), onde viveu seus
últimos 15 anos. De acordo com seu filho Henrique, ele foi cremado sem
qualquer cerimônia, como sempre quis, avesso às pompas funerárias e aos
convencionalismos em geral. Suas cinzas foram espalhadas ao pé de uma
pitangueira, em Atibaia, junto de algumas árvores que sempre protegeu,
como um verdadeiro ecologista, antes dessa palavra se tornar conhecida.
Deixou ex-esposa, a irmã, dois filhos e um neto.
Obras
Ângulo & Face. São Paulo: Edart, 1949. Poesia.
Diário da Nave Perdida. São Paulo: Edart, 1963. Contos.
Espaçopleno. São Paulo: Clube de Poesia, 1963. Poesia.
O Homem que Adivinhava. São Paulo: Edart, 1966. Contos.
O Mundo Misterioso do Hipnotismo. São Paulo: Edart, 1963. Não-ficção.
Introdução ao Estudo da 'Science Fiction' . São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1967. Não-ficção.
Manual de Hipnose. São Paulo: Editora Resenha Universitária, 1978. Não-ficção.
Piscina Livre. São Paulo: Editora Moderna, 1980. Romance.
Pássaros Florescem. São Paulo: Editora Scipione, 1988. Poesia.
Amorquia. São Paulo: Editora Aleph, 1991. Romance.
A Máquina de Hyerônimus e Outras Histórias. São Carlos, SP: Universidade Federal de São Carlos, 1997. Contos.
Birds Flower. Las Arenas Press: Tucson. 1998. Tradução de Leo L. Barrow.
Confissões do Inexplicável. São Paulo: Editora Devir, 2007. Contos. .
Quânticos da Incerteza. Atibaia: Redijo, 2007. Poesia. (Organização, prefácio, bioblibliografia e notas de Osvaldo Duarte).
André Carneiro: Fotografias Achadas, Perdidas e Construídas. São Paulo: Pantemporâneo, 2009.
Introdução ao Estudo da 'Science Fiction' (reedição). Brasópolis: Edgard Guimarães, 1997. Não-ficção.
Obras adaptadas para o cinema ou para a TV
O Mudo (Conto), adaptado para o filme Alguém. Direção: Júlio Xavier Silveira, Embrafilme, 1980.
O homem que hipnotizava (Conto), adaptado para TV (Rede Globo) com o título de Mergulho no espelho.
Filmografia
Estudo de Continuidade e movimento. Curta metragem, 1951.
Solidão, 1952.
Fonte:
Excertos da biografia por Silvio Alexandre para a Semana André Carneiro
https://www.semanaandrecarneiro.com.br/andre-carneiro/biografia/
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